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03/02/2004
Habeas Pinho
Habeas Pinho
Em Campina Grande, na Paraíba, em 1955, um grupo de boêmios fazia serenata numa madrugada do mês de junho, quando chegou a polícia e apreendeu o violão.
Decepcionado, o grupo recorreu aos serviços do advogado Ronaldo Cunha Lima, então recentemente saído da faculdade e que também apreciava uma boa seresta.
Ele peticionou em Juízo, para que fosse liberado o violão. Esse petitório ficou conhecido como <> "Habeas Pinho" < e enfeita as paredes de escritórios de muitos advogados e bares em praias do Nordeste.
Mais tarde, Ronaldo Cunha Lima foi eleito deputado estadual, prefeito de Campina Grande (cassado pela Revolução), senador da República, governador do Estado e hoje deputado federal. Veja a famosa petição:
HABEAS PINHO
Exmo. Sr. Dr. Juiz de Direito da 2ª Vara desta Comarca:
O instrumento do crime que se arrola neste processo de contravenção, não é faca, revólver nem pistola, é simplesmente, doutor, um violão.
Um violão, doutor, que na verdade não matou nem feriu um cidadão.
Feriu, sim, a sensibilidade de quem o ouviu vibrar na solidão.
O violão é sempre uma ternura, instrumento de amor e de saudade.
O crime a ele nunca se mistura. Inexiste entre eles afinidade. O violão é próprio dos cantores, dos menestréis de alma enternecida que cantam as mágoas que povoam a vida e sufocam suas próprias dores.
O violão é música e é canção, é sentimento vida e alegria, é pureza, é néctar que extasia, é adorno espiritual do coração.
Seu viver como o nosso é transitório, mas seu destino, não se perpetua.
Ele nasceu para cantar na rua e não para ser arquivo de cartório.
Mande soltá-lo pelo amor da noite que se sente vazia em suas horas, pra que volte a sentir o terno açoite de suas cordas leves e sonoras.
Libere o violão, Dr. Juiz,
Em nome da Justiça e do Direito.
É crime, porventura, o infeliz, cantar as mágoas que lhe enchem o peito?
Será crime, e afinal, será pecado, será delito de tão vis horrores, perambular na rua um desgraçado derramando na rua as suas dores?
É o apelo que aqui lhe dirigimos, na certeza do seu acolhimento.
Juntada desta aos autos nós pedimos
E pedimos também DEFERIMENTO.
Ronaldo Cunha Lima
advogado
O juiz Arthur Moura deu sua sentença no mesmo tom:
Para que eu não carregue remorso no coração, determino que se entregue ao seu dono, o violão.
Autor(es)
Ronaldo Cunha Lima