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O Pacote Ético

por Academus em 5/14/2021

O Pacote Ético

Depois de ter sido muito bem-sucedido em seu propósito de recuperar a capacidade operativa do Legislativo federal, conseguindo, ao comandar uma hábil negociação entre governo e oposição, restringir, finalmente, o uso das famigeradas medidas provisórias, o presidente da Câmara dos Deputados, Aécio Neves, propõe-se a mais uma importantíssima empreitada: a votação, logo que forem retomados os trabalhos legislativos, amanhã, de um "pacote" destinado a restringir a imunidade parlamentar à liberdade de expressão; a criação de um Conselho de Ética; e a implantação de um Código de Ética da Casa.

Reconheçamos que se trata de uma tarefa hercúlea, principalmente no que diz respeito ao primeiro tópico - a imunidade parlamentar - que se tornou uma das distorções mais indecorosas da função político-legislativa neste país, por sintetizar duas das maiores chagas éticas da sociedade: a exacerbação corporativista e a crônica impunidade, aliás, freqüentemente imbricadas. Na verdade, os parlamentares brasileiros desfrutam de privilégio sem paralelo nas democracias genuínas do mundo contemporâneo, que é a exigência de autorização prévia, da Casa Legislativa, para se processar qualquer de seus membros por crime comum, conforme estabelece o artigo 53 da Constituição.

Nas democracias mais autênticas, essa imunidade se aplica tão-somente à garantia da plena liberdade de expressão do legislador, especialmente a de fazer denúncias da tribuna. Jamais tem servido, como aqui, de escudo protetor de ladrões, estelionatários e criminosos de toda a espécie - até assassinos.

Se tem havido cassações de mandatos de parlamentares - e, realmente, nos últimos tempos as Casas Legislativas brasileiras intensificaram seu trabalho de limpeza ética, embora em ritmo muito mais lento do que o desejável -, todas as perdas de mandato têm ocorrido, invariavelmente, por "quebra de decoro". Nos últimos dez anos, o Supremo Tribunal Federal (STF) remeteu à Câmara dos Deputados nada menos do que 153 pedidos de autorização para processar deputados, em razão dos mais diferentes crimes. As respostas positivas a tais pedidos não passam de zero. Em sua edição de domingo, o Estado informa, por exemplo, que um pedido do STF para abrir inquérito contra o deputado Ibrahim Abi-Ackel há 12 anos aguarda votação na Comissão de Constituição e Justiça. Se alguns parlamentares deixaram suas cadeiras na Casa, depois de rumorosos escândalos ou de investigações levadas a efeito nas CPIs, é porque caíram em contradições ou foram flagrados mentindo, razão suficiente para serem enquadrados na "quebra de decoro" - independentemente da montanha de dinheiro que tenham surrupiado dos cofres públicos ou da gravidade dos crimes, até hediondos, que tenham cometido.

No mais das vezes, antes de cassados por quebra de decoro, os acusados têm optado pela renúncia, que tira o mandato, mas preserva os direitos políticos, propiciando nova candidatura. Uma vez afastado, o ex-parlamentar criminoso não tem encontrado maiores dificuldades em escapar das condenações judiciais, até que uma nova eleição lhe assegure, outra vez, a imunidade, palavra que, no Brasil, se tornou um sinônimo perfeito de impunidade. A imunidade parlamentar foi considerada um "baluarte da impunidade" durante a 6.ª Conferência Nacional de Direitos Humanos, promovida pela Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados, cujo presidente, deputado Nelson Pelegrino (PT-BA), assim se expressou: "Esse privilégio incentiva poderosos de redes organizadíssimas do crime a conquistar mandatos somente com o intuito de obter impunidade." Diríamos que esse incentivo também se estende a bandidos de menor quilate…

Quanto ao Conselho de Ética e ao Código de Ética da Casa, uma vez resolvida a questão da imunidade parlamentar, não haverá dificuldades maiores em estruturá-los, pois as normas éticas e jurídicas que os devem orientar já são conhecidas demais e integram o simples bom senso da sociedad Autor(es) Academus

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